Texto de Daniel Paranhos
Poucas são as pessoas a quem caberia tal questionamento. Cristo Miguel de La Cruz, é uma dessas pessoas. Na cena do violão brasileiro até podemos citar Sergio Abreu, falecido a cerca de dois anos que exerceu ambas as atividades. Músico que depois de uma brilhante carreira internacional de concertista na juventude, mais tarde trocaria definitivamente os palcos pela oficina, tornando-se o mais célebre luthier brasileiro.
Mas neste sábado, 21 de junho, tivemos o privilégio de apreciar as artes deste nosso colega e amigo em seu recente recital na Escola de Música Harmonia. Criteriosamente agrupado em quatro blocos, o repertório foi da renascença ao sec. XX, dando oportunidade, inclusive, para peças escritas para guitarra renascentista, executadas numa réplica, feita pelas mãos do próprio artista assim com o violão em que foram executadas as demais obras.
Quando perguntado sobre a sensação de tocar um instrumento feito pelas próprias mãos, respondeu como luthier, na sua incansável busca por um resultado melhor, evocando a ação da galopa(*). Perfeccionismo que me lembra um jovem e talentoso instrumentista, que se frustrava, insatisfeito com a qualidade de seu próprio desempenho. Uma nota do passado que talvez resida apenas na memória dos velhos amigos e apreciadores.
Mesmo antes de abraçar a lutherie, Cristo, como costumam chamar os amigos, sempre foi muito dedicado ao estudo das peças, seu contexto, suas interpretações. E a persistência ao longo dos anos é evidenciada na maturidade de quem sabe o que fazer ao palco, mostrando a técnica empregada com sentido artístico.
O que este brasileiro, agora radicado no México, nos traz hoje é o desfile de um saboroso e variado universo poético, muito pessoal, e cujo brilho talvez seja o resultado, entre outras coisas, do incomum nível de intimidade entre o músico e seu instrumento.
Daniel Paranhos
Camboriú, 22 de junho de 2025
(*)Galopa – substantivo feminino – ferramenta de marcenaria que serve para alisar, desempenar e limpar as peças de madeiras, bem como para lhes tirar as últimas aparas.